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Blog da Georgia Castro

Glúten é rejeitado por puro mito, mas às vezes pode ser um problema, sim

Georgia Castro

05/02/2018 04h15

Crédito: iStock

Não é raro nos dias de hoje recebermos uma avalanche de informações contraditórias sobre determinados alimentos, gerando grandes dúvidas sobre os benefícios e os riscos de consumi-los. E, nesse contexto, o glúten é muitas vezes apresentado como um dos maiores vilões.

De cara, deixo claro: o glúten, em si, não apresenta qualquer risco para a maioria das pessoas e é rejeitado por puro mito. A exceção é a parcela da população que sofre de doença celíaca, a qual de fato provoca uma intolerância a essa proteína presente em grãos como o trigo, a cevada, ou malte, e o centeio.

E o que é o glúten?

Bem, todo cereal é composto basicamente de carboidrato, nutriente que fornece energia para o organismo. Mas, como já mencionei, o glúten é uma pequena fração de proteína presente em alguns deles. É ele que, por exemplo, confere força à massa do pão, formando uma espécie de rede enquanto ele é assado. Imagine o seguinte: essa rede se distende, permitindo que o gás da fermentação fique ali dentro dela, abrigado. Se o trigo, por exemplo, fosse puro carboidrato — como nenhum carboidrato faz isso — o gás ficaria retido e a fornada não daria certo.

Mas, para os celíacos, a substância deve mesmo ficar distante. Sua doença não é uma alergia, como muitos pensam — se fosse, os sintomas seriam completamente diferentes. Quem tem doença celíaca sofre de diarréia crônica, que por sua vez provoca um estado de desnutrição grave, deixando a barriga inchada e atrapalhando demais o crescimento e o desenvolvimento das crianças.

Aliás, a doença celíaca em geral aparece entre o primeiro e o terceiro ano de vida. Não que não possa surgir em qualquer idade, inclusive em adultos. E, se não for diagnosticada e a pessoa ficar sem tratamento adequado, pode levar à morte. Como é o glúten que, no caso dessa gente, provoca tudo isso, desencadeando uma violenta irritação na parede do intestino, nessa situação específica é realmente necessário eliminar qualquer contato com a substância.

Por isso, o tratamento da doença celíaca consiste na adoção de uma dieta totalmente isenta de glúten,  ou seja, cortando completamente do cardápio itens com trigo, centeio e cevada, que já citei, e ainda aveia. No caso da aveia, ela não contém glúten em si, mas pode carregar traços da substância.

Quando falamos em riscar tudo o que possa conter o glúten, todos logo pensam em pães, bolos, massas e biscoitos, Mas, atenção, o glúten também é encontrado em bebidas alcoólicas como a cerveja, o whisky, a vodka e o gin. Sem contar que às vezes aparece em alguns cafés especiais e em leites achocolatados.

Os cereais que não oferecem risco para um celíaco são o arroz, o milho, o polvilho e suas farinhas — todos esses não possuem o glúten em sua composição. E, em uma situação dessas, uma arma de defesa são os rótulos dos alimentos.

No Brasil, por lei, a presença de glúten não requer um limite para que seja declarada de maneira clara nas embalagens. Ou seja, qualquer quantidade acima de zero deve constar no rótulo, o que, sem dúvida, é de imensa utilidade para os celíacos. Assim, em qualquer alimento, podemos encontrar basicamente duas  declarações: "não contém glúten" ou "contém glúten".

Muitas vezes, a proteína não está presente nos ingredientes do produto em si. Se, durante o seu processo fabricação na indústria, aquele alimento teve alguma possibilidade de contato com cereais ou farinhas com glúten, o que chamamos de "contaminação cruzada", o fabricante deverá declarar no seu rótulo a presença da substância. Tudo para que os celíacos tenham uma segurança máxima. Afinal, nessas condições, é difícil assegurar que não haja qualquer traço de glúten "contaminando" o produto final.

Justamente por conferir algumas características desejáveis ao alimento, que impactam na sua aparência e na textura, alguns produtos sem glúten podem ficar, por assim dizer, menos atrativos. Outra característica dos produtos sem glúten é um teor de gordura provavelmente maior. Isso porque a gordura costuma ser usada para compensar a falta do glúten na receita, dando estrutura às massas. Por causa dessa troca, claro, ela termina com um valor calórico maior. E, por vezes, há um desequilíbrio de vitaminas e minerais ao fazer substituições desse tipo.

Um estudo recente publicado em uma renomada revista internacional, Current Gastroenterology Reports, demonstrou que crianças que precisam seguir uma dieta sem glúten por causa da doença celíaca podem ingerir menos magnésio, zinco e selênio do que o necessário, em um período crítico de crescimento e desenvolvimento, quando esses minerais podem fazer uma tremenda falta. As implicações potenciais dessas inadequações nutricionais, tanto a curto quanto a longo prazo, são alvo de investigações. Mas, no caso da doença celíaca, não tem outro jeito mesmo — a não ser ficar de olho e tentar suplementar o que está ausente.

Por sorte, a tecnologia de alimentos vem desenvolvendo alternativas interessantes para contornar, nos alimentos livres de glúten, problemas de sabor, textura e prazo de validade. Elas já são encontradas nos supermercados brasileiros, mas infelizmente com um valor relativamente alto em nossas gôndolas. Esse é mais um desafio para quem atua na área de alimentação e uma esperança de vida mais saborosa aos celíacos.

Sobre a autora

Engenheira de alimentos pela Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, e doutora em nutrição pela Universidade Estadual de Campinas e pelo INRA, na França, Georgia Castro passou mais de 20 anos na área de assuntos científicos e pesquisa aplicada de algumas das maiores indústrias de alimentos do mundo, conhecendo como poucos os bastidores da produção daquilo que chega à nossa mesa. Atualmente, trabalha como coach de saúde e bem-estar.

Sobre o blog

Um espaço para você saber a verdade e compreender a composição dos alimentos embalados, aqueles que compramos no supermercado, nos atacados, nas lojas de conveniências ou que pedimos em cantinas, lanchonetes, bares e outros locais tão presentes na vida cotidiana. Assim, com informação, você será capaz de fazer escolhas de forma mais consciente.

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