Leite vegetal pode ser nutritivo, mas nunca será leite pra valer
Os grãos de cereais, frutos ou leguminosas são moídos. Depois, imersos em água, são aquecidos. Daí ficam em repouso ou passam por centrífugas para decantar o resíduo do vegetal. Alguns ainda exigem uma etapa extra: a da inativação de certas enzimas que não nos caem muito bem, como é o caso da bebida feita de soja. É dessa maneira que são produzidos os leites vegetais, antes de seguirem para o envase. E isso não tem nada a ver com o processo de produção de um leite pra valer.
O leite de verdade, por assim dizer, é o produto obtido da ordenha completa de mamíferos sadios, como a vaca, a ovelha e a cabra. Mas por que eu friso "completa"? Porque ela é feita sem parar, até não restar uma gota. Se os produtores retirassem apenas o leite que sai no início da ordenha, a composição nutricional seria muito distinta. Todo o resto, portanto, são bebidas que têm, digamos, uma aparência leitosa –e só.
Não dá para comparar o leite de vaca com qualquer leite vegetal em matéria de cálcio. É covardia: a bebida animal tem quatro vezes mais desse mineral. E, se pensarmos na biodisponibilidade do nutriente, que é a sua capacidade de ser absorvido pelo corpo humano, ela fica em 75% nas versões obtidas dos vegetais –ou seja, um quarto menos do que o leite de vaca, mesmo quando o produto é enriquecido. Digo isso porque a indústria pode adicionar carbonato de cálcio, lactato, fosfato ou mesmo o cálcio quelato em um leite de amêndoa, por exemplo.
No entanto, devemos considerar as vantagens. O leite de castanha-de-caju, que é o fruto do cajueiro, é rico em fósforo, ferro, selênio, zinco e magnésio, sendo também boa fonte de fitoquímicos e antioxidantes. Ou seja, o fato de um leite vegetal apresentar composição e propriedades diferentes daquelas contidas no leite de vaca ou de outros animais não significa que nele não existam nutrientes importantes e que seu consumo não possa virar um hábito. Só não dá para encarar essas bebidas como substitutas do leite convencional.
Quando vamos ao supermercado e nos deparamos com leites de arroz, amêndoa, castanhas e tantos outros, acabamos por comparar a tabela nutricional entre eles, mas não pensamos na equivalência em relação ao leite de vaca.
Vou lhe dar uma amostra do que encontrei visitando o supermercado: uma bebida à base de amêndoas que, entre os ingredientes, tinha xarope de agave (planta mexicana com o poder de adoçar), maltodextrina, carboidratos e sal. O seu valor energético era de 167 calorias por porção de 200 mililitros, com apenas 2 gramas de proteínas, 5,8 gramas de gorduras, 1,6 gramas de fibra e 60 miligramas de sódio. Ora, se você checar, verá que o leite de vaca tem apenas 115 calorias, uma quantidade maior de proteínas (6 gramas) e quase empata em gorduras (6,1 gramas). É verdade que não apresenta fibras e que carrega o dobro de sódio, mas em compensação oferece preciosos 240 miligramas de cálcio.
A indústria, na minha opinião, faz bem em atender perfis de consumidores que aquecem o mercado de leites vegetais –alguns por restrições alimentares, mas não são só aquelas pessoas com intolerância à lactose ou com algum grau de alergia que buscam esse produto específico. A bebida de vegetais é cobiçada por indivíduos que se interessam em um alimento com perfil nutricional que provoca uma percepção de "mais saudável".
Só deveriam, creio, evitar a restrição total ao leite de vaca, quando não há razões médicas para afastar o perigo de deficiência de certos nutrientes, como aminoácidos fundamentais, como o triptofano, a leucina, a isoleucina e a valina , que aparecem em quantidades muito menores nesses leites vegetais. Estes, aliás, são extratos vegetais (a expressão "leite", nesses casos, é quase um apelido).
A ameaça também existe –e talvez seja até maior– em relação aos micronutrientes, como cálcio, potássio, fósforo e magnésio. Eles aparecem em teores mais baixos, principalmente no leite de arroz. Portanto, o leite de vaca (ou de cabra ou de ovelha) é uma coisa, leite vegetal –que pode ser gostoso e nutritivo à sua maneira– é outra. Não confunda as coisas, trocando um pelo outro.
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